Em graus diferenciados, as mudanças com relação ao emprego e a flexibilização dos mercados de trabalho estão tomando centralidade no debate que envolvem hoje os trabalhadores, gestores e o Estado. As questões que atualmente afetam os mercados de trabalho no mundo, não só passaram a formar parte do diagnóstico das dificuldades econômicas, como também das medidas necessárias para solucioná-las.
Em relação a produção teórica sobre o tema, podemos identificar hoje vários estudos que analisam as mudanças nos padrões de gestão do trabalho. E com a diversidade de abordagens, torna-se possível observar diferentes e muitas vezes divergentes enfoques sobre ele. De um lado, (PASTORE,1994; SARAVIA,1997, entre outros), as
mudanças nas relações de trabalho são focalizadas enquanto necessidade de adaptação às condições econômicas, onde tempo e jornada de trabalho, bem como sistemas salariais, devem ser ajustados às flutuações dos mercados.
De outro lado (LIPIETZ,1991; CORIAT,1998; MATTOSO,1994; DEDECCA,1996, entre outros), estão os estudos que tratam das mudanças da gestão do trabalho, em resposta à necessidade das empresas de se tornarem competitivas, por meio da quebra de proteção aos trabalhadores, associando tais alterações a desigualdades no
ingresso, perda de postos e apontando as diversas maneiras com que as condições
de trabalho se precarizam.
Optando por não reproduzir integralmente as especificidades e os argumentos de cada corrente teórica das mudanças nos padrões de incorporação e gestão do trabalho, destacamos que ambos os enfoques trazem à cena elementos significativos para o debate.
Considerando a ideia de que a nova dinâmica de incorporação e gestão do trabalho também sofre determinações dos movimentos internacionais de racionalização produtiva, cabe apontar algumas tendências que nos parecem mais pertinentes pelos desafios que colocam para o atual modelo de gestão do trabalho no mundo, como: o processo de “individualização dos salários”, a diminuição do conflito entre empregador/trabalhador, regionalização de interesses e a polarização entre trabalhadores. E por acreditar que tais tendências conformam novos elementos
constitutivos das relações de trabalho, tanto nas empresas privadas como no setor público, julgamos oportuno o esforço por explicitá-las.
Flexibilização das Relações de Trabalho
A maioria das economias capitalistas experimentou no pós-guerra um crescimento econômico sem precedentes, aliado à expansão de programas de bem-estar social.
Especialmente nas décadas de 1950 e 1960, seguindo-se o modelo Keynesiano de controle e regulação sobre a economia e sobre a sociedade, através de políticas de welfare state, o crescimento da produção esteve acompanhado de elevação salarial, redução das taxas de desemprego, ampliação dos padrões de consumo de massas e ampliação do sistema de proteção ao bem-estar. São grandes, nesse período, as conquistas sociais dos trabalhadores. Segundo MATTOSO (1994:522):
“No mercado de trabalho, cada vez mais homogêneo, o desemprego baixou a nível praticamente inéditos. Os salários articularam-se estreitamente com a elevação da produtividade e dos preços, ampliando
seu poder de compra. Os salários indiretos foram desenvolvidos e parcelas significativas de custo do trabalho foram assumidas pelo Estado. Finalmente, mas não menos importante, as relações de trabalho assumiram um caráter mais padronizado e a contratação coletiva adquiriu uma função econômica favorável à administração da demanda agregada.”
Essas conquistas foram obtidas dentro de um modelo de gestão do trabalho baseado no controle fordista, onde as formas institucionais de relação salarial respeitaram a necessidade de uma produção em massa de bens de consumo, fazendo com que as diferentes empresas concedessem maiores salários aos trabalhadores que passam a ser considerados como potenciais consumidores. E enquanto modo de regulação das relações de trabalho LIPIETZ (1991:105) sublinha que:
“O fordismo pressupunha o estabelecimento de um contrato de longo prazo da relação salarial, com limites rígidos nas demissões, e uma programação de crescimento do salário indexado aos preços e à produtividade geral. Além do mais, uma extensa socialização das rendas, por obra do Estado-previdência, assegurava uma renda permanente aos trabalhadores assalariados.”
Em meados dos anos 70, a crise dos países industrializados que implicou num desequilíbrio econômico em escala mundial, marcada pela crise do petróleo e alterações de preços das matérias primas, acabou por aumentar o processo inflacionário e recessão, colocando sob questionamento o regime de acumulação fordista e, por conseguinte, o próprio modelo de relação de trabalho.
Com a emergência da reestruturação mundial do capitalismo, além da ruptura do antigo paradigma industrial e tecnológico, questiona-se e por vezes, rompe-se com o compromisso social e as relações em instituições econômicas, sociais e políticas anteriormente conquistadas. Mais recentemente, a partir da década de 80, o
rompimento do padrão de estruturação do mercado de trabalho das economias desenvolvidas trouxe uma série de questionamentos sobre os sistemas de welfare state; e a desregulação/flexibilização das relações de trabalho tem sido a principal resposta dada pelos governos de diversos países.
Um novo conjunto de técnicas, métodos e práticas gerenciais redefinem substancialmente as relações de trabalho e se impõem enquanto o padrão de gestão predominante. O conjunto de relações de trabalho é redefinido em torno de uma categoria que ora assume papel central: a “flexibilização”.
Enquanto categoria chave para compreensão da atuais relações de trabalho, a flexibilização tem sido focalizada ou mesmo utilizada sob diversos aspectos, tanto em distintas propostas de mudanças na órbita da gestão do trabalho como em vários estudos que tratam do tema. Definido de forma ampla, o conceito de flexibilização
compreenderia, para a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico:
“… o conjunto de meios destinados a melhorar a eficácia das organizações e sua capacidade de adaptação as variações do contexto. Implica no abandono de métodos universalistas, regulamentários e centralizados, a favor de uma atividade orientada para resultados junto a métodos de gestão de recursos humanos e financeiros baseados na descentralização de responsabilidade e adaptação ao contexto.”
(SARAVIA,1997 apud POZZI & ZAGALSKY,1998: 7)
Em trabalho publicado pela Organização Pan-americana de Saúde, são enumerados cinco definições principais de flexibilidade, que por sua vez, segundo o documento, estão mais relacionadas a diferentes dimensões da relação salarial. Assim, a flexibilização das relações de trabalho pode ser entendida: “- como capacidade de ajuste das equipes para fazer frente a uma demanda variável em volume e composição (equipamentos flexíveis);
- como adaptabilidade dos trabalhadores para realizar tarefas distintas, complexas ou não;
- como possibilidade de variar o volume do emprego e a duração do trabalho em função da conjuntura local ou global;
- como a sensibilidade dos salários com relação à situação das empresas e do mercado de trabalho; e,
- como a supressão dos dispositivos legais desfavoráveis ao emprego em matéria de políticas fiscais e sociais” (BOYER, 1987 apud OPS 1996:XIII).
LAGOS (1994:84/85) também concorda com a ideia de que a flexibilização assumiria diferentes formas e que varia segundo critérios e fundamentos escolhidos para se alcançar maiores graus de flexibilização do mercado de trabalho. Assim, a flexibilização teria três diferentes enfoques:
1) flexibilidade dos custos laborais;
2)flexibilidade numérica e;
3) flexibilidade funcional.
O primeiro enfoque, da flexibilidade de custos laborais, é entendida, segundo LAGOS (1994:84) como o grau de sensibilidade dos salários nominais e dos custos não salariais (contribuições trabalhistas e encargos sociais), as variações econômicas em geral (como, por exemplo, inflação, produtividade, flutuação de demanda e desempenho de diferentes empresas). Para os que aderem a esse tipo de flexibilização, uma maneira de reduzir o desemprego e ampliar a flexibilidade do trabalho seria executando uma revisão das regras trabalhistas, vistas como barreiras à
criação de novos postos de trabalho.
A flexibilidade numérica compreenderia, para o autor, dois aspectos: a flexibilidade numérica externa, ou seja, a capacidade das empresas de ajustar o quadro de trabalhadores (aumentando-o ou diminuindo-o), tanto para responder às demandas do mercado como para responder às transformações tecnológicas. E o outro aspecto, caracterizado pelo autor de flexibilidade numérica interna, que implicaria em uma variação proposta pelas empresas, do número de horas trabalhadas, sem variação da quantidade de empregos.
Há ainda o conceito de flexibilidade funcional, que refere-se a variação de caráter essencial da atividade laboral, diante das modificações de volume de trabalho e introdução de novas tecnologias. Tal enfoque relaciona-se com a mobilidade dos trabalhadores dentro das empresas com a reorganização dos postos de trabalho, e requer dos trabalhadores a possibilidade de adaptação à uma série de tarefas de diversos níveis de complexidade. Citando BOYER, LAGOS (1994:89) acrescenta:
“Em síntese, a flexibilidade funcional apela para os conhecimentos técnicos e competência dos trabalhadores, e sua capacidade de dominar diversos segmentos do mesmo processo produtivo.” (BOYER, 1987:109, apud LAGOS)
Portanto, a flexibilização tem sido focalizada tanto no contexto organizacional quanto no contexto dos mercados de trabalho, ou seja, a flexibilidade tecno-organizativa que se refere aos equipamentos e tecnologia utilizadas, capacidade de adaptação da organização do trabalho (para responder às constantes alterações dos mercados), a
constituição de equipes e polivalência dos postos.
E no âmbito das relações das organizações com o mercado de trabalho, quando busca uma substituição do modelo de contratação do trabalho por tempo “indeterminado” por um modelo de flexibilização dos processos de contratação, aumentando a capacidade que teriam os salários de aumentar ou diminuir segundo a situação do mercado. Por outro lado, segundo SIQUEIRA NETO (1996:336), quanto a forma de flexibilização, esta pode ser imposta (pelo empregador ou por um ato do Estado) ou negociada.
As justificativas atuais para o movimento em direção à flexibilização, referem-se primeiro, ao campo macroeconômico, no qual fenômenos como o déficit público, deterioração da balança comercial, persistência de pressões inflacionárias e o desemprego são listados como principais fatores. Enquanto desequilíbrios
microeconômicos são apontados, a perda de produtividade, pressões de custos e o caráter obsoleto dos investimentos passados frente à velocidade das transformações tecnológicas. Para autores como DEDECCA,1996, e MATTOSO,1994, esse processo de transformação nas relações de trabalho não pode ser tributado exclusivamente à crise iniciada na segunda metade dos anos setenta e que se estendeu até a década
de oitenta, tampouco pode ser tributado unicamente às políticas neoliberais. Mas, segundo MATTOSO (1994:523):
“Efetivamente, tal situação foi facilitada por políticas que, ao longo dos anos oitenta, visaram alterar os supostos constrangimentos, incentivos e obstáculos à competitividade. A base destas políticas liberais foi o ajuste estrutural e a flexibilidade do trabalho (…), bem como a eliminação de regulações governamentais protetoras que supostamente engessariam o mercado de trabalho, elevariam custo de produção e minariam a competitividade. Seu objetivo era reduzir os custos empresariais, acelerar a mobilidade/flexibilidade do trabalho entre setores, regiões, empresas e postos de trabalho, eliminar a rigidez resultante da atividade sindical e das regulações trabalhistas e possibilitar, então, o ‘indispensável ajuste de preços relativos’.”
Em seu estudo, DEDECCA (1996:58) sublinha os argumentos para justificar o processo de flexibilização das relações de trabalho. Inicialmente, o movimento de transformação do capital industrial em capital financeiro, num contexto globalizado e marcado por constante instabilidade econômica, a introdução de novas tecnologias e
métodos organizacionais e a desestatização dos padrões de concorrência inter capitalista nacionais e internacionais.
Resumidamente, se em grande medida o objetivo das políticas governamentais, no período anterior, foi o de assegurar aos trabalhadores formas estáveis e padronizadas de relação de trabalho e de segurança do emprego diante da arbitrariedade das demissões. No final dos anos oitenta, tais formas de proteção passaram a ser
consideradas responsáveis pelo desemprego crescente.
DEDECCA (1996), ao discutir a flexibilidade e a emergência da heterogeneidade nas relações de trabalho dos países desenvolvidos, observa que o novo perfil dos mercados de trabalho também sofre imposições vindas das recentes mudanças na relação emprego x desemprego. Lembra o autor que o fenômeno da exclusão causada
pelo desemprego teve justificativas históricas, como no período de consolidação do capitalismo, onde o desemprego era atribuído à destruição das formas de produção pré-capitalistas. Já na segunda metade o século XIX, tal fenômeno era resultado da crise e do processo de concentração de capital. Ou ainda, no presente século, quando imputou-se o problema do desemprego à emergência de uma nova crise econômica na década de 70, gerada pelo crise da produção do petróleo.
No período atual, o movimento de reorganização produtiva, embora imponha consequências econômicas e sociais que se diferenciam entre os diferentes espaços nacionais, tem elevado o grau de terceirização das diferentes economias, dificultando de forma crescente as perspectivas de reposição do nível de emprego com uma
progressiva heterogeneidade das situações ocupacionais e, também, daquelas de desemprego. Esta heterogeneidade materializa-se na perda de importância das políticas de pleno emprego, acompanhada pelo crescimento dos empregos precários, fazendo com que a composição do próprio desemprego também se torne
heterogênea(2).
Assim, diferentes países acabam por aumentar a diversidade de situações tanto na forma de incorporação do trabalho, como no que se refere ao desemprego. Como sublinha DEDECCA (1996:77):
“Passa-se a verificar que a heterogeneidade das formas de contrato de trabalho se relacionam a uma configuração também heterogênea do desemprego, onde cada vez mais o standard employment perde importância na estrutura ocupacional e o desemprego aberto explica limitadamente o crescente fenômeno da desocupação nos diferentes
países.”
O atual movimento de racionalização produtiva tem se voltado para a obtenção da maior flexibilidade na utilização do capital e do trabalho, visando máxima redução de custos, da ociosidade dos fatores produtivos e dos riscos impostos pela instabilidade e mutação dos mercados, passando a exigir novas relações de trabalho. Aponta-se,
assim, para a quebra de barreiras legais trazidas pelos sistemas de relações de trabalho nacionais que haviam se consolidado por meio de negociações coletivas, questiona-se as conquistas obtidas pelos sindicatos e reivindica-se novas normas públicas que regulem os mercados de trabalho.
Se no período pós-guerra, como aponta DEDECCA (1996:59), “as negociações definiam uma classificação de ocupações básicas e um piso salarial indexado aos incrementos de produtividade e as variações de preços e limites para as diferenças salariais entre as ocupações”, reforça-se a ideia de que a busca pela flexibilização, se
torne condição fundamental diante da instabilidade dos mercados, da concorrência e da necessidade crescente de incorporação de tecnologia.
A reivindicação das empresas por maior autonomia de gestão do trabalho passa a ser então consubstanciada na proposta de contratação por tempo determinado, na implementação de regime de trabalho parcial e de adoção de jornadas de trabalho flexíveis, anteriormente proibidas.
Assim, as empresas passam a pressionar primeiro o Estado, objetivando que este atue em direção à desregulação das relações de trabalho e estabelecendo novas relações com os trabalhadores, priorizando uma relação mais direta com estes em detrimento das negociações coletivas.
Individualização dos Salários
DEDECCA (1996:62) chama a atenção para o crescimento do fenômeno que caracteriza como “individualização de salários” ou “salário eficiência”, onde ganhos trabalhistas são estipulados levando-se em consideração indicadores de produtividade individual, resultados obtidos pelas empresas, nível de absenteísmo individual,
criatividade no enfrentamento dos problemas cotidianos do processo de trabalho, rendimento da equipe de trabalho etc. Sempre buscando adotar formas mais flexíveis de gestão e uso do tempo de trabalho e do aumento da produtividade, tem-se adotado, como uma tendência geral, a incorporação de novas regras no que tange a
determinação dos salários, gerando, com diferentes programas de incentivos à produtividade, mecanismos que levariam a um processo de “individualização dos salários” , “salário eficiência” ou “salário participativo”, convertendo uma parcela da remuneração total em um componente flexível.
O fenômeno da individualização dos salários é mais uma tendência importante que tem se manifestado em todas as esferas da produção. Os sistemas salariais antes baseados no tempo de trabalho e na jornada de trabalho, passam a ser orientados observando-se lucros e resultados. A composição final da remuneração tende a
combinar salários fixos com uma participação em resultados alcançados. E os critérios de remuneração passam a ser estabelecidos levando-se em conta a performance individual do trabalhador, e este fenômeno acaba por contribuir para a substituição do modelo de negociação coletiva construídos nos países desenvolvidos.
Diminuição de Conflitos diretos entre Empregadores/Trabalhadores
Uma outra condição apontada como necessária à implementação de novos métodos organizacionais é a introdução de um novo tipo de relação empregador/empregado, caracterizada como uma relação mais “cooperada”, “individualizada”, pois se as formas de remuneração passam a computar os resultados finais de uma empresa, seus problemas acabam por assumir uma nova dimensão para os trabalhadores.
Como observa PASTORE (1994:197):
“As empresas submetidas a alta competição têm pouca tolerância ao conflito interno. O trabalho é realizado na base de troca de experiências e a interação constante entre pessoas. Isso exige muito diálogo e consulta. As relações de trabalho, nessas condições, saem do estilo adversário e caminham para a parceria.”
Diante desse novo modelo de relação de trabalho a participação dos sindicatos, assim como do Estado, perde importância. Estudos recentes (BARGAS:1994, ANTUNES:1995, SIQUEIRA NETO:1996, e DEDECCA:1996), apontam a tendência à diminuição do volume de sindicalização enquanto um impacto importante do novo
modelo de relação de trabalho e que vai contribuir para um processo de exclusão dos sindicatos nos momentos de negociação.
Constata-se, portanto, uma ampliação da diversidade de formas de incorporar e gerir o trabalho, que atinge mercados internos e externos de trabalho nos vários setores da economia. Esta diversificação avança de maneira heterogênea, constituindo-se em uma multiplicidade de interesses divergentes, que tem dificultado não só a
organização dos trabalhadores como a capacidade prática por parte dos sindicatos, do acompanhamento dos diferentes sistemas de remuneração e contratação.
Tal fato é focalizado em alguns estudos que apontam para a queda de participação e filiação sindical e pela diminuição dos movimentos de greves e paralisações.
Regionalização de Interesses
A regionalização de interesses trabalhistas é uma realidade percebida cada vez mais pelos estudiosos do tema. Por exemplo, algumas localidades de um mesmo país podem conhecer uma heterogeneidade de seus mercados de trabalho de forma mais acelerada do que em outras, acentuando disparidades regionais de emprego e renda.
Esse fato contribui para uma crescente regionalização da representação sindical e política dos trabalhadores, e pode ser tomada enquanto uma expressão de um processo crescente de “regionalização de interesses” (DEDECCA, 1996:73). A tendência à “regionalização de interesses” tem se expressado nos diversos momentos
em que a negociação coletiva sede lugar a outras formas de negociação mais localizada no espaço interno das empresas.
Assim, a heterogeneidade das relações de trabalho também amplia-se para o momento da negociação. Onde antes predominavam os acordos por categorias profissionais, passam a prevalecer os ramos de atividade produtiva e, em determinado momento, passam a ser realizados até mesmo por empresa. Tal situação tem levado
os sindicatos a assumir, no momento da negociação, a diversidade de interesses dos trabalhadores, inseridos em diferentes tipos de empresa (grandes empresas ou empresas subcontratadas), enfrentando, portanto, diferentes situações de trabalho.
Polarização entre Trabalhadores
A emergência de um novo padrão de industrialização tem gerado, em um mesmo processo, segmentos diferenciados de trabalhadores. De um lado, um novo trabalhador, mais escolarizado, participativo e polivalente (em contraposição aos trabalhadores especializados, parcializados e/ou desqualificados da produção
fordista). Este novo segmento de trabalhadores, necessário ao funcionamento permanente da nova produção capitalista (flexível, acentuadamente inovadora, em pequenos lotes etc.), poderia manter a garantia do emprego ou até mesmo elevar seus salários, ampliar a negociação coletiva (no âmbito da empresa) ou assegurar seu
novo caráter polivalente, com educação e treinamento permanentes. De outro, cresce uma massa de trabalhadores que perde uma série de direitos trabalhistas e conquistas sociais adquiridos nas sociedades democráticas contemporâneas, frutos do ambiente internacional da bipolaridade, do Estado de bem-estar, das políticas econômicas de tipo Keynesiano e do crescimento estável. Estes normalmente trabalham sob formas de contrato de trabalho que são muitas vezes precárias.
Reestruturação Produtiva e Novo Papel do Estado
Fato importante de se observar é que a reestruturação da produção contribuiu em grande medida para o questionamento da presença do Estado na economia, incrementando as políticas privatizantes, principalmente a partir de 1979, com a ascensão de governos neoliberais nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Ao realizar uma análise institucional da política econômica na Inglaterra, na década de 70 , HALL (1992:4) afirma que a Inglaterra vivenciou uma revolução na política econômica, pois se no início de tal década era o caso paradigmático da era Keynesiana, nos anos 80 continua também a liderar, só que desta vez em outra
direção. Sob a orientação de Margareth Thatcher, o modelo de construção da política econômica, pautado nos princípios do Keynesianismo, foi substituído pelo modelo monetarista.
Em termos gerais, a evolução da política inglesa nas duas décadas, subsequentes a década de 70, é clara e bem representada pela diferença entre a política econômica proposta e a que a antecedia desde a Segunda Guerra. O alvo central da política macroeconômica deixa de ser o desemprego e passa a ser a inflação.
Como pontua FREITAS JÚNIOR (1996:151), o Estado inglês transita de uma prática reguladora das relações de trabalho, de agente promotor do bem-estar social, distributivo a um só tempo neutralizador de conflitos, para um agente promotor da competitividade e indutor de outros modelos de organizações de trabalho, baseados, segundo o autor: primeiro na fragmentação da grande empresa em unidades ágeis, competitivas e ultra-especializadas, segundo, na busca permanente por racionalização e produtividade e, em terceiro lugar, na adoção de qualificadores globais de eficiência estratégica.
O novo modelo de política, impulsionado pelas mudanças institucionais e econômicas na Inglaterra poderia ser resumido no Quadro 1 realizado a partir do estudo de FREITAS JUNIOR (1996), da seguinte forma:
Mudanças no Modelo de Política: Modelo Anterior X Modelo Atual
Paradigma do welfare State Estado promotor de eficiência gerencial Centralidade das políticas Sociais Política industrial ganha centralidade Ética da responsabilidade Ética da eficiência Políticas sociais distributivas Políticas sociais compensatórias Elaboração Própria, fonte: Freitas Júnior, 1996.
Segundo CARVALHO NETO (1996:99), o questionamento do papel do Estado no Reino Unido concretizou-se na venda de empresas estatais, incluindo monopólios de prestação de serviços públicos (gás, eletricidade, petróleo e telecomunicações). O governo britânico foi mais além, incentivando experiências de privatização da prestação de serviços públicos municipais, como a limpeza de ruas, que passou a ser da responsabilidade de empresas privadas, num processo crescente de terceirização.
Na opinião de DEDECCA (1996:57), a menor intervenção do setor público nas relações econômicas e sociais teria três objetivos básicos; primeiro, romper o processo de concorrência entre os setores públicos e privados pela repartição da poupança existente. Segundo, contrair os gastos públicos no sentido de permitir uma redução dos custos salariais indiretos do setor privado. Terceiro, reduzir a regulação pública sobre as relações de trabalho para que as empresas possam restabelecê-las em bases mais compatíveis com a nova conjuntura econômica.
Amplia-se também a pressão política para que o Estado revogue as normas contrárias à flexibilização das relações de trabalho e reduza os encargos sociais. Entretanto, segundo DEDECCA (1996:63): “esta última continua sendo a pièce de résistance da flexibilização das relações de trabalho”. Mesmo com a intenção de reduzir os encargos sociais, o que se observa é um movimento de elevação dos gastos públicos diante da crescente necessidade de políticas de proteção ao emprego, ao desemprego e aposentadoria, num ambiente de crise dos mercados de trabalho na grande maioria dos países.
O Fenômeno da Flexibilização do Trabalho no Brasil
Atualmente, no Brasil, verifica-se um crescente discurso favorável à flexibilização das relações de trabalho. Muitos autores (ILO:1984, PASTORE:1994, e ZYLBERSTJN:1998) têm afirmado que para contornar a competição, recessão e novas necessidades de contratação, deve-se seguir a tendência geral dos mercados de trabalho dos países mais avançados, ou seja, a flexibilização. Segundo PASTORE (1994:14):
“Quem não coopera, não consegue competir. A palavra de ordem nos atuais sistemas de relações do trabalho é flexibilizar, ou seja, ajustar-se às novas condições e tirar o máximo proveito delas. A necessidade de inovar e competir está exigindo novas modalidades de contratação e remuneração do trabalho. Quando as relações trabalhistas dependem muito da legislação, as adaptações são lentas, as empresas perdem a competição e os trabalhadores ficam sem emprego.”
PASTORE analisa dois modelos possíveis de relações de trabalho. No primeiro, o “modelo estatutário”, a maioria dos direitos e deveres é garantida por lei, e as discordâncias e impasses tendem a ser remetidos para a justiça comum ou à justiça do trabalho. No segundo modelo, conhecido como “modelo negocial”, os direitos e deveres são assegurados por um contrato firmado, diretamente, entre empregados e empregadores ou seus representantes. Neste tipo de negociação, os conflitos são entre as próprias partes ou através de terceiros que elas mesmas escolheram como árbitros. Na opinião deste autor, não encontramos hoje algum país no mundo que se enquadre inteiramente no modelo estatutário ou no negocial, os países tenderiam mais para um modelo ou outro. No Brasil tem predominado o modelo estatutário, onde os acordos e convenções coletivas são complementares à legislação.
PASTORE (1994:213) defende a tese de que “o sistema estatutário de relações do trabalho vigente no Brasil é rígido demais para garantir um mínimo de sucesso na corrida da competição mundial”. Sugere, então, a substituição do padrão de relação trabalhista por um modelo negocial, guardadas nossas particularidades. Para tanto, reconhece a exigência de grandes mudanças na esfera legal e na “própria mentalidade dos protagonistas da cena trabalhista no Brasil”. Nesse sentido, PASTORE aponta para uma flexibilização mais voltada para a questão dos custos do trabalho com a revisão dos direitos legais extensivos a todos os trabalhadores no mercado formal, o que reduziria o custo da incorporação do trabalho e aumentaria a competitividade das empresas.
Para uma outra vertente teórica, representada por CAMARGO,1996; AMADEO,1996; URANI,1996, por exemplo, nosso mercado de trabalho já se encontra em grande medida flexibilizado. CAMARGO (1996:27-34), fazendo uma análise de indicadores de acompanhamento do mercado de trabalho, aponta índices que servem para medir o grau de flexibilização do mercado de trabalho. Inicialmente, segundo o autor:
“Um bom indicador do grau de flexibilidade do mercado de trabalho para se adaptar a choques exógenos é o modo pelo qual a taxa de desemprego aberto varia. Se a taxa de desemprego é relativamente estável e não varia muito com os choques, é sinal de que o mercado de trabalho é flexível. Isso mostra que o ajustamento foi em grande parte absorvido pelas variações dos salários reais. Se a taxa de desemprego aumenta, o mercado de trabalho é rígido.”
Assinala ainda, que o índice de desemprego aberto no País tem se ajustado rapidamente a conjuntura econômica, e esse índice somado a outros resultados como: alta variação dos salários reais, alto índice de rotatividade de mão-de-obra e um predomínio de contratos de trabalho de curto prazo, indicariam que o mercado de trabalho brasileiro porta um expressivo grau de flexibilização. Para este autor, um efeito negativo do elevado grau de flexibilidade do mercado de trabalho no país seria o baixo investimento em capital humano (treinamento e qualificações específicas).
Assim:
“…as firmas brasileiras exigem muito pouco treinamento de seus empregados e o investimento em capital humano no emprego restringe- se a um treinamento muito específico e simples. Dessa forma, os ajustes do mercado de trabalho se dão principalmente através da admissão e da demissão de trabalhadores e muito pouco através de retreinamento e requalificação.”
Na verdade, esta segunda corrente teórica defende, ao contrário de PASTORE, a promoção da estabilidade dos vínculos de emprego por meio de alterações na sistemática do FGTS, no seguro desemprego e na justiça do trabalho, em direção a uma “flexibilidade funcional”, capaz de elevar a produtividade e aumentar a competitividade brasileira.
Um terceiro conjunto de estudos sobre o padrão atual de gestão do trabalho no país, (MATTOSO:1996, DEDECCA:1996, BALTAR et al:1996, SIQUEIRA NETO,1996, entre outros), revela algumas especificidades do Brasil em relação aos demais países.
Como assinalam BALTAR et al (1996:112), o contexto em que se desenvolve o debate sobre a flexibilização do trabalho em nosso país, embora se instaure num momento de abertura da economia à competição internacional, implicando igualmente na discussão acerca da necessidade de flexibilização na incorporação do trabalho para um
ajustamento das empresas, como acontece nos demais países, destaca-se por estabelecer relações de trabalho diferentes.
Segundo os autores:
“As relações de trabalho no Brasil são muito diferentes das vigentes na Europa. Destaca-se, em particular, a elevada rotatividade da mão-de-obra e o relativamente pequeno quadro de pessoal permanente ou estável na empresa. De fato, a contratação coletiva do trabalho nunca se desenvolveu e os direitos do trabalhador, garantidos por lei, não acarretam alto custo do trabalho nem impedem uma utilização flexível da mão-de-obra pelas empresas. E para a maioria dos trabalhadores prevalecem o baixo nível dos salários e frequente mudanças de
emprego.”
Esta vertente também considera o alto grau de flexibilidade do mercado de trabalho no Brasil, apontando, igualmente, os limites à proposição de que a alteração das regras trabalhistas garantiria uma ampliação de empregos. Por outro lado, assinalam que uma flexibilidade funcional e a estabilidade do emprego não se traduzem em maior produtividade. Como afirma BALTAR et al (1996:145), o modelo de gestão do trabalho necessita de alterações, porém, em amplos sentidos: de um lado, com medidas que levem a uma pressão sobre o Estado para forçá-lo a atuar a favor da retomada do desenvolvimento econômico. De outro lado, a “implementação de uma autêntica contratação coletiva do trabalho, a qual exige sindicatos representativos nos diversos locais de trabalho”.
Entretanto, se os debates que envolvem o grau de rigidez das normas trabalhistas, e as diferentes propostas de sua reformulação, sobre as modalidades de flexibilização do mercado de trabalho que se deva enfatizar no país e a respeito dos diferentes critérios de verificação do grau de flexibilidade, continuam inconclusos. Na prática, o
grau de flexibilização das relações de trabalho, seja em relação aos custos trabalhistas, a flexibilização numérica ou funcional, tem se mantido de forma crescente. Dinamizando os processos de “individualização dos salários” (por meio de um número cada vez maior de empresas no país que implementam, hoje, programas de incentivos à produtividade), de diminuição do conflito direto entre empregadores e trabalhadores, ampliação da “regionalização de interesses” (por meio do aumento de acordos internos às empresas) aumentando o processo de polarização entre trabalhadores.
Atualmente, o movimento de flexibilização deixou de pertencer somente ao espaço da gestão do trabalho das empresas privadas e alcançou o setor público. Em todo o mundo amplia-se as propostas de reformulação das instituições públicas, onde mudanças no modelo de incorporação e gestão do trabalho ganham lugar de destaque nas agendas de reforma do Estado.
Atualmente além do desemprego aberto e de longa duração, que podem ser acompanhados pelas estatísticas do contingente de trabalhadores que são excluídos do conjunto de empregos formais, temos o fenômeno do desemprego oculto, que é constituído por pessoas que ainda não foram incorporadas pelo mercado de trabalho ou que o foram precariamente; por uma parte dos indivíduos que perdem seus empregos – na sua maioria jovens e mulheres- retornando a situação de inatividade, dedicando-se às tarefas domésticas ou aos estudos; por trabalhadores desempregados que acabam sendo momentaneamente incorporados ao mercado com contratos por tempo determinado ou parcial.